segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Brazil 135 Ultramarathon (217km) @ São João da Boa Vista, SP - 17/18JAN2014

 Em poucas palavras eu diria que a BR135 foi a melhor experiência de vida que já tive desde que comecei a correr. Já se passaram alguns dias após a prova e, mesmo assim, não consegui "digerir" tudo o que aconteceu nesses dois dias. Vou tentar contar o que se passou por lá, apesar de que a melhor forma de entender é estando lá.

 Quinta-feira (16) eu e meu amigo/irmão Rafa Alves estávamos partindo daqui de São Paulo com destino a São João da Boa Vista (SP). Ele em sua segunda BR e eu indo para a minha primeira como pacer do Daniel Meyer.
 Logo que chegamos para retirada dos kits, notamos uma movimentação que não parecia o normal daquela pequena cidade. Por toda parte haviam corredores não vendo a hora que chegasse o dia seguinte, assim como nós. 
 A noite o Rafa se juntou a sua equipe e foram para o hotel, enquanto eu procurava o alojamento do exército, no qual passaria a noite, a convite do meu amigo Éber que também participou da prova em quarteto. Chegando no alojamento fui super bem recebido por todos, tomei um banho, comi e fui dormir (ou pelo menos tentar) pois o dia seguinte seria longo.

 Às 7h da manhã da sexta-feira eu já estava com tudo pronto, era só checar os últimos detalhes e partir para a praça principal da cidade, local da largada. Chegando lá encontrei com alguns amigos do Força Vegana, que também participariam da prova. Pouco antes do horário da largada encontrei com o Daniel Meyer e nossa equipe de apoio (Jhonatan, Liana, Ketilin e o pequeno Juan) e aguardamos ansiosos a sirene soar.

Minutos antes da largada, com Tomiko, Daniel e Jhonatan

 Às 8h em ponto foi dada a largada, como nas demais ultramaratonas, todos os atletas saem num ritmo bem tranquilo, sem pressa. Iniciei ao lado do Daniel e fomos conversando nos primeiros 6kms de asfalto, ali a prova nem havia começado... Passado os 6kms de asfalto, pegamos um  trecho de trilha com algumas subidas, em alguns trechos tivemos que passar por baixo de arames farpados.

 Meu GPS marcava 19kms percorridos, chegamos na primeira cidade, Águas da Prata-SP. Vários carros de apoio esperavam seus atletas. Reabastecemos nossa água e continuamos. Estávamos num ritmo forte, o Daniel decidiu segurar um pouco, ainda restavam apenas 198kms, rs.
 Chegando no Pico do Gavião, decidi trocar o tênis que estava machucando meu pé e aproveitar pra descansar um pouco, mesmo querendo muito subir o Pico, preferi esperar o Daniel embaixo, poupando um pouco de energia. Quando o Daniel descia do Pico eu já estava pronto para continuar com ele. A nossa próxima parada seria em Andradas-MG.

 No caminho para Andrades tivemos o prazer de correr ao lado sr. Áureo, ultramaratonista que correu todas as edições da BR135, a partir dali, tive uma aula de ultramaratona. Alguns km a frente o Daniel não estava se sentindo muito bem, o sol estava extremamente forte, quando o sr. Áureo disse que havia uma cachoeira ali perto. Depois de uma bela refrescada continuamos, eu já notava que o Daniel estava bem melhor após o banho de cachoeira.

Tendo o privilégio de correr ao lado do sr. Áureo

 Chegando em Andradas fizemos uma rápida parada para comermos um pouco de macarrão e reabastecer nossas camel bags com água. A próxima parada seria em Serra dos Lima (município de Andradas-MG).
 Foram aproximadamente 14kms até chegarmos em Serra dos Lima. Paramos na casa da Dona Natalina, onde comemos e tomamos um pouco de café.
 Já se passavam das 18hrs, então era obrigatório correr com colete refletivo, colocamos nossos coletes e partimos para a próxima cidade, Barra (município de Ouro Fino-MG).

 Fizemos o cálculo "errado", calculamos que de Serra dos Lima até Barra seriam em torno de 7kms, a distância não estava errada, porém não era uma parada como as demais, então tivemos mais 12kms pela frente, na escuridão, passando por Crisólia (município de Ouro Fino-MG) sem água praticamente e sem sabermos qual distância realmente faltava até Ouro Fino-MG.



 Chegando em Ouro Fino, com 99kms se não me engano, quando encontramos um amigo no Daniel que estava muito mal, ele preferiu desistir por ali (apesar de já ter completado a prova numa outra edição), tentamos convencer ele de continuar mas ele nos disse que é melhor continuar numa prova com saúde do que sem. Ele nos entregou sua pulseira GPS para que a gente entregasse no próximo posto e nos despedimos. Eu estava muito cansado, com um pouco de sono, resolvi dar uma descansada no carro e continuar no trecho seguinte.

 Esperei no carro junto com a nossa equipe de apoio o Daniel chegar em Inconfidentes-MG, onde ele fez uma parada para descansar. Novamente acertamos os últimos detalhes e partimos. Nossa próxima parada seria em Borda da Mata-MG. Ainda era madrugada nesse trecho, a única coisa que iluminava nosso caminho eram nossas head lamps, nada mais. O segredo era apenas ter atenção para não topar em nenhuma pedra (mesmo assim, topamos em várias).

 Apesar de toda dor que eu estava sentindo naquele momento, eu tentava me concentrar ao máximo, eu sabia que não estava diferente com o Daniel, mas não queria demonstrar em nenhum momento, de vez em quando a gente conversava um pouco para distrair.
 Quando menos percebi, o sol de sábado estava nascendo no horizonte, por trás daquelas montanhas... Durante a madrugada eu tinha a sensação de estar dormindo, quando amanheceu, a sensação era de que eu estava acordando sendo privilegiado com uma vista maravilhosa. Naquele momento, como um milagre, começamos a correr mais forte, após avistarmos uma cidade de longe.

 Chegamos em Tocos do Moji-MG correndo bem alegres, apesar das dores. Nosso remédio para dores eram os incentivos dos nossos anjos, toda vez que chegávamos na cidade, eles estavam lá, transmitindo suas energias para nós. Me sentia renovado quando via o pequeno Juan sorrindo na janela do carro.
 Tocos do Moji foi o trecho mais duro até então, muita subida, minha coxa ardia. Cada morro que a gente subia, a gente olhava pra trás e eu dizia, "cara, como a gente subiu isso!?". Mas segundo o Daniel, o pior trecho não havia chegado ainda.

 Em Estiva-MG eu não tinha pernas para seguir naquele trecho (que era bem pior do que Tocos do Moji), deixei com o Daniel. Ali podíamos dizer que faltava "pouco" pro término da prova. Fiquei esperando ele em Consolação-MG, onde fomos super bem recebidos por duas moradoras da pequena cidade de 1.700 habitantes. Nos ofereceram café, pão e banho e nos contaram rapidamente a história da cidade e de suas casas históricas.

 Ufa! Agora restavam apenas 21kms até o final da prova. Mas não é porque restavam 21kms que iríamos completar em menos de 2h, né? O trecho não era duro como os anteriores, porém não dava mais para esconder o cansaço, estava estampado em nossos rostos. Nosso carro de apoio foi nos acompanhando durante todo o trecho, sempre o Jhonatan parava o carro, corria um pouco com a gente, assim como a Liana e Ketilin.
 Posso dizer com toda a certeza que esses 21kms foram os mais longos da minha vida, o cansaço só não era maior do que a vontade de chegar, corremos boa parte como no inicio da prova, caminhando nas poucas subidas que tinha pela frente.



 Restando um pouco menos de 4kms, já podíamos avistar Paraisópolis-MG de longe, eu me sentia metros da linha de chegada, ao mesmo tempo muito distante, não parecia chegar nunca...
 Quando chegamos no asfalto sim, era a certeza que a missão estava sendo comprida, todo o sofrimento que o Daniel passou nesses 217kms e eu que corri em média 170kms estavam valendo a pena, nada podia explicar o que senti naquele momento. Nessas horas percebemos que não conhecemos nosso corpo, não sabemos do que ele é capaz.
 Cruzamos a linha de chegada todos juntos, abaixo de 36 horas, a emoção nos dominou, nada mais importava naquele momento.

 Eu serei eternamente grato ao Daniel Meyer por proporcionar isso pra mim, poder correr a ultramaratona mais difícil do Brasil ao seu lado. Nessa prova eu fiz uma nova família na qual poderei sempre contar. Liana e Ketilin, como nas últimas provas que participei, excepcionais no apoio. Dessa vez o Jhonatan foi como motorista, infelizmente não correu como queria, mas tenho certeza que ele estava passando suas energias para nós durante todo o percurso. Não posso esquecer do pequeno Juan, garotinho com um pouco mais de um ano e que já participou de centenas de aventuras ao lado dos seus pais malucos (no bom sentido, rs).

 Cada dia que passa eu amo ainda mais ultramaratona, e correr com amigos, podendo dividir isso é melhor ainda!
  Ano que vem estarei lá novamente, BR135!